domingo, 15 de novembro de 2009

Babel e a dificuldade em escutar o outro

Geométricas

Procurar as orgânicas, os movimentos espontâneos, isto é, compreender a natureza para depois demarcar na sua geografia. A construção também tem que ser uma desconstrução. É necessário reflectir e inflectir. Procurar está na essência da geometria. Resolver, encontrar o arco, ligar dois pontos, enfrentar um projecto e uma idéia, empreender uma lógica, um mundo.

Tiago Carvalho
Poeta português


Babel e a dificuldade em escutar o outro

Um conflito pode durar um segundo, uma hora,um ano ou uma vida inteira.Meu último grande conflito demorou uma década e foi entrecortado por vários pequenos conflitos.Os últimos anos, claustrofóbicos me apertavam a garganta e seqüestravam o ar.Quando achei que ia sucumbir a um estado de loucura sem volta, inexplicavelmente tudo se abriu.Foi simples, começou numa ida a Eletropaulo, companhia gerenciadora de distribuição de energia elétrica.Fui encaminhada ao guichê 25 onde uma moça morena magra de olhos totalmente inexpressivos e boca sorridente me perguntou o que eu desejava.Retirei dezenas de contas de uma pasta e, esbaforida tentava explicar que havia sido orientada erroneamente por outra atendente na semana anterior.O sorriso da moça se alargou ainda mais e ela respondeu “A senhora já percebeu que a maioria dos problemas das pessoas são por mal entendidos?”
Como assim ? Perguntei “As pessoas não entendem a pergunta então a resposta fica sem sentido, com a resposta sem sentido a pessoa se desespera então a outra pessoa se sente acuada e por ai vai...” Por frações de segundos os últimos eventos da semana passaram qual um filme por minha tela mental e, é verdade, todos os mal entendidos da semana aconteceram porque o que eu havia falado não havia sido escutado ou havia sido escutado dentro da possibilidade de escuta da parte ouvinte, o que na maioria das vezes não legitimava o que eu havia falado. Sem dúvida vivemos numa Babel, onde a minha emoção busca sofregamente nos meus arquivos internos uma palavra que melhor possa traduzir o momento, onde a minha compreensão da palavra é diferente da compreensão do meu interlocutor. Primeiro de tudo, os arquivos internos são particulares pessoais e muito singulares. Cada pessoa armazena um numero diferente de verbetes e dá a cada um deles um significado pessoal, alem disso cada pessoa atribui a cada verbete uma ou varias traduções emocionais. Talvez devêssemos nos apresentar de outra forma, poderíamos começar as conversações assim “Bom dia eu sou a Ruth, armazeno 4200 verbetes e você quantos verbetes armazena?” Depois num segundo passo poderíamos ir mais fundo “ Muito bem que significado você dá ao verbete “INVEJA” ?” E só depois disso estaríamos mais confortáveis para conversar com as pessoas.Ao voltar para casa, não sem uma certa raiva e um sentimento de orgulho ferido, tive que dar mão a palmatória de que a tal menina atendente da Eletropaulo havia me dado uma aula de filosofia, ela havia me ensinado uma lição que carrego até hoje e, essa lição iniciou um grande processo de mudança e ruptura de um padrão de relacionamento que havia desembocado em uma década de conflitos familiares onde eu, ingenuamente havia acreditado que minhas explanações aos meus familiares haviam sido escutadas e negligenciadas, somente agora passada uma década e que percebo que nada que foi por mim dito, foi escutado ou compreendido, portanto nenhuma falta, falta só existem quando negligenciamos aquilo que compreendemos, não podemos culpar os outros por não nos escutarem, a maioria das pessoas não o faz.

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