terça-feira, 13 de outubro de 2009

A Menina que Gostava de Ler


Recentemente foi feita uma pesquisa e se concluiu que nunca as crianças leram tanto... parece uma boa notícia, mas não ! A pesquisa aponta que o aumento da leitura se deve as horas gastas a frente do computador, lê-se muito, mas isso não quer dizer leitura de qualidade. É necessário que a leitura seja orientada por alguém experiente.E quem é experiente ? A algumas gerações que o habito da leitura tem declinado, portanto uma grande maioria de pais não se importa com a leitura. Livros são substituídos por DVD por ser mais rápido e mais fácil, o comodismo tem lugar de supremacia na nossa sociedade.A leitura requer um ritual e um local adequado, requer paciência, silencio e uma certa calma interior cada vez mais rara. Eu amo ler, não troco por nada domestico como TV e DVD. A noite depois do jantar vou para o meu canto de leitura coloco musica clássica ou jazz e perco as horas.Por um grande período da minha vida adulta isso foi impossível ,mas na infância eu li muito.O meu contato com o livro foi as escondidas não fui orientada por meus pais, o que derruba a minha teoria referente a orientação da leitura.Comecei a ler por curiosidade e até por ser proibido.Na casa de meus pais no atual Rio de Janeiro, na época Estado da Guanabara, Distrito Federal, a leitura era terminantemente proibida.Papai repetia mulher culta não casa, pra que que um marido vai querer mulher que lê ? Fui criada por duas famílias totalmente diferentes como água e azeite, cada uma no seu espaço e nunca se misturavam. A família paterna fazendeiros da Zona da Mata de Minas Gerais, era uma família muito rígida de princípios morais medievais. A família materna de artistas, intelectuais e diplomatas, pessoas internacionais, cosmopolitas muito indulgentes e totalmente compromissados com a agenda social. Por incrível que pareça a minha leitura começou na família paterna.Todos os anos eu ia passar as férias de Julho em Leopoldina, na ocasião a cidade hospedava uma feira agro pecuária e meu avô expunha suas vacas leiteiras, com os ubres pesados, as veias expostas quase arrastando pelo chão. A casa da cidade era enorme, (sim casa da cidade, pois havia a fazenda há uns quarenta minutos no município de Abaíba e a vida do vovô era entre essas duas cidades, de dia na fazenda à noite em casa) e tinha uma biblioteca com estantes de madeira e portas de vidro trancadas a chave. Pegar livro só com autorização dos avós e eles é que escolheriam o que deveríamos ler.Sempre que chegava do Rio, a noite vovó me pegava pela mão e dizia vamos pegar um livro para você ler nas férias ela então abria a imensa biblioteca e aí, já começava o meu prazer da leitura, começava pelo cheiro....cheiro de livro trancado.Ela abria uma das portas e dizia, nessas férias você vai ler um livro da Condessa De Ségur , coleção Menina Moça, você prefere Meninas Exemplares ou Os Desastres de Sofia ? Para mim qualquer um mas, o que queria mesmo era fuçar a biblioteca inteira, passar uma tarde com todas as portas de vidro abertas, ler livros de anatomia, geologia, ler os livros que eu via vovó levando para o quarto a noite o tal O Crime do Padre Amaro que eu havia escutado ela cochichando com o vovô.Mas meu pedido era sempre recusado.Um dia roubei as chaves,nunca tive tanto medo, suava em bicas, tremia, o corredor parecia não ter fim , eu achava que me movia em câmara lenta, meus pés eram como de chumbo.Entrei na biblioteca a porta rangeu mais do que o normal, a luz era fraca, a maçaneta da porta era alta de mais as estantes iam até o teto e o tempo era curto.Arrastei uma poltrona pesada de jacarandá e couro, subi, o acento era de molas, afundei, voltei coloquei bastante almofada , peguei o primeiro livro de couro vermelho que encontrei e nem vi o que era, estava confusa com medo e arrependida.Levei o livro para o quarto e coloquei debaixo do colchão só a noite quando todos dormiam é que peguei a minha inseparável lanterna de pilha, joguei meu roupão na fresta da porta e ascendi debaixo dos lençóis. O livro era Robinson Crusoe escrito por Daniel Defoe.Esse livro marcaria a minha vida de tal forma que até hoje quando me perguntam qual o melhor livro que leu em sua vida eu respondo Robinson Crusoe.
É claro que li e, venho lendo, livros muito melhores, mas, esse me marcou de sobremaneira. Primeiro porque não foi escolhido nem por minha avó nem por mim conscientemente mas por minha alma.Esse livro apareceria ao longo da minha vida em sessões de analise e em flash back, e até hoje ano de 2009, mais presente do que nunca.
Para a criança que estava acostumada aos salões da sociedade carioca, nas festas com a família materna, no rigoroso colégio Sion e nos livros da Condessa de Ségur dados pela avó paterna, a leitura realista e moderna da obra de Defoe foi um susto, tirava o meu sono e a minha respiração, afogada debaixo das cobertas, lendo com a lanterna apontada para as letras.Li em poucas noites, passei as primeiras semanas de férias com dor de cabeça,dormindo pelos cantos da casa, vovô chegou a chamar o médico que para a minha sorte recomendou repouso e assim pude ler o livro durante o dia também.Para quem nunca leu o livro, é a história de um naufrago que fica 28 anos em solidão numa ilha, (depois de algum tempo ele tem a visita do índio Sexta Feira que é o alter ego dele) é a história da tenacidade, da força, do homem vencedor, da fé e da esperança.Historia de um homem que tem que construir a sua vida a partir do nada, lutando contra as intempéries da natureza, chuvas, mosquitos fome frio e consegue vencer sem a ajuda de ninguém. Poderia ser a historia do orgulho, mas também uma historia místico religiosa, o caminho do herói mas, mas do que tudo, o que me levava as lágrimas era a historia da solidão humana.

Condessa de Ségur 1799 / 1874


Robinson Crusoe a História da Solidão Humana